domingo, 28 de setembro de 2008

Vidas...histórias do Reviralho

A minha mãe tem histórias incriveis, algumas de "faca e alguidar" como já se referiu noutras mensagens.Como mulher de coragem que sempre foi, mesmo hoje com quase 80 anos, é um espectáculo apreciar as suas respostas a temas do momento ou mesmo relatando vivencias de tempos idos. Há sempre um rasgo de génio para respostas na ponta da língua e que nos deixam muitas vezes desarmados...
Um dia à mesa estávamos a falar de um assunto qualquer sobre uma mudança havida e a minha mãe saiu-se com a resposta seguinte: Isso foi o Reviralho!!! Uma verdadeira obra cómica para os nossos ouvidos que nunca tinham enxergado tal vocábulo...
Depois da pesquisa efectuada aqui o temos:
o Reviralhismo constituiu-se como a mais importante frente de combate à Ditadura.Na sua origem, formou-se em torno da esquerda republicana e dos militares radicais, a que se associa a intelectualidade seareira.À sua direita situam-se alguns sectores dos Democráticos e Liberais que, tendo apoiado ou consentido a instauração da Ditadura, numa fase inicial, em breve deixam de reconhecer-se nela e passam a combatê-la.

Pois é...cada vez que se aprofunda um tema, um momento mais perto, chegamos ao entendimento porque nunca quisemos nada com a Direita conservadora.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O meu irmão João e a Guerra na Guiné

A minha guerra em África: Guiné 1973-1974

O relógio de parede da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, marca dez horas e trinta minutos e a instalação sonora anuncia, repetidamente, a partida do comboio com destino à Beira Alta. É dia 14 de Setembro de 1974.
Sinto-mo bem entre camaradas de armas que, tal como eu, estão prontos para seguir os seus destinos. Gente boa. Ao lado, no chão, a mala preta, de fabrico inglês, acomoda os parcos haveres, pois os bens mais preciosos como um relógio marca breitling, documentos pessoais e todo o dinheiro (escudos e pesos) haviam sido subtraídos.
Ouve-se uma voz que pronuncia o meu nome. Vou ao seu encontro e reparo que é a do militar que ameaçou matar-me na primeira oportunidade, por o ter impedido de consumar um levantamento de rancho. Mão estendida e palavras de desculpa pelos factos passados. Olhei-o e exclamei - não sou furriel … não te desculpo! Fez-se silêncio de imediato quebrado por palavras de despedida. Votos de boa viagem e de felicidades foram trocados enquanto pegava a mala. Por último levantei o braço e desejei bom dia a todos e decidido entrei no comboio.
Encontrei um lugar junto a uma janela e instalei-me, depois de arrumar a bagagem, deixando-me conduzir numa outra viagem iniciada aos dezoito anos de idade, que começou com a aprovação para todo o serviço militar, a curiosidade pela carreira de piloto ou por outra relacionada com a aviação determinou oferecer-me voluntário para a força aérea, sendo chamado para prestar provas quando já tinha sido incorporado no serviço militar obrigatório.
Depois da recruta seguiu-se a especialidade e o serviço de instrução militar na cidade de Viseu, no regimento de infantaria nº14, até à mobilização, no regime de rendição individual, para funções de formação militar na cidade de Bolama, na ex-colónia da Guiné.
“Vista parcial de Bissau e ilhéu do rei”
Tinha chegado a minha vez. A minha mobilização para a Guiné deixou-me de “rastos” e desertar passou a ser a única prioridade. Determinado a sair do país procurei o apoio do meu amigo “Aireca” que estava refugiado na Holanda, e assim fugir da guerra colonial,
Contudo, o receio de ser preso pela pide, o amor à família e a educação, rude e severa, ancorada no tríptico Deus, Pátria, Família, conforme ao regime fascista que amordaçou o país, não me permitiram concretizar o objectivo
É pois naturalmente que em Novembro de 1973 aterro no aeroporto de Bissalanca, na Guiné, depois de breve escala em Cabo Verde. O cheiro a terra húmida, o sol e o calor imensos fazem daquele lugar um inferno, seja lá o que isso é …

O desconforto causado pelo ambiente inóspito torna-se menos significativo se comparado com o primeiro serviço como responsável pela guarda de honra em funeral militar. Não um mas três são os corpos que vão a enterrar, digo depositados no cemitério de Bissau, onde se encontravam outros, muitos, talvez para serem repatriados. Fica-se sem palavras …
O tempo foi passando. Um dia o oficial de dia lembra-me: - o nosso furriel sabe que decisões militares cumprem-se e não se discutem.
Desta maneira simples e rude confirmou o local que constava na guia de marcha - Gadamáel-Porto. Afastei-me silencioso, contrariado pela decisão que me impedia de ir para Bolama, para onde tinha sido mobilizado, dar formação.

Estás “fedido”, dizia o meu amigo açoreano.

Embarco para sul rumo a Gadamáel-Porto numa LD - lancha de desembarque, mais parece uma ponte de ferro que navega. Chego ao entardecer depois de breve escala em Bolama.
O cenário que a vista alcança é desolador. A destruição e pobreza trespassam o coração. Toda a paisagem é um imenso drama, queimadas de floresta, “tabancas” destruídas, grandes buracos em telhados e no solo, estilhaços de munições espalhados por todo o lado. Um horror.


Não foi necessário esperar para perceber as causas de tanta destruição. A minha chegada foi acompanhada de forte ataque de artilharia, baptismo de fogo difícil de esquecer e de recordar. Ali estava eu, encolhido num abrigo, cheio de medo … impotente tal a violência dos impactos. Os meus camaradas riam e nervosos acrescentam: - ó piriquito olha que isto não é nada, quando for a sério vais ver como doem … silêncio.

O quotidiano é preenchido com serviços diversos, idas ao mato em missões de grande perigo e sofrimento.

O som dos rebentamentos, os mísseis terra/ar … objectos projectados no espaço, a masseira, panelas, coberturas.

Há momentos em que tudo parece ter vida própria ao contrário das pessoas que parece que a perderam.

O “vaga-vaga” (que nos matou à fome), com dietas extraordinárias da nossa gastronomia, como sejam as ementas de guisados de esparguete e salsichas ou de feijão com gorgulho (muito) e chouriça, que durante mais de trinta dias fizeram as delícias dos nossos paladares, sendo servidas alternadamente ao almoço e ao jantar, sem contar o pronto a comer, as rações de combate. O mistério dos gatos desaparecidos, de todos os gatos, acabou no momento de um petisco que depois de degustado mereceu os maiores encómios, um verdadeiro hino à culinária. As pescas de peixe à granada e de galinhas e patos, à linha, outras vezes, ainda, mais sofisticada, através de um fármaco “valium” e os bichos adormecidos eram abandonados pelos seus donos, as ostras sublimes, a festa de aniversário … um luxo.
O homem e a natureza. Paisagem natural onde diferentes factores interagem e evoluem em conjunto.
A bajuda da foto, (jovem rapariga) exótica e selvagem, que amanhã será mulher, trabalhará para casa cuidando do marido e dos filhos e demais pessoas que a frequentam. Cultivará os campos, a sementeira, a sacha, as colheitas cujos produtos carregará à cabeça. Andará pelo mato à procura de lenha que junta em molhos e os levará para casa. Trabalhará de sol a sol sempre com um bebé amarrado às costas.
Esta é a realidade da mulher africana e a minha homenagem.

Régulos e curandeiros, os homens grandes das povoações, os inúmeros dialectos, as doenças do paludismo e malária, “manga” delas, as sanguessugas, o vernáculo na língua de Camões, o olhar das pessoas … de indiferença e desdém.
Finalmente a partida e o último gesto de revolta dos militares que, em formatura absolutamente irrepreensível, honraram a sua condição e impediram que o avião 707 da TAP levantasse voo sem nos levar a bordo.

Sabe tão bem a liberdade.
O avião aterra no aeroporto de Lisboa. Sigo para o quartel do RALIS, para efectuar exames médicos que, sem justificação, não se realizam.

Contrariado, dirijo-me a um espaço onde procedo à troca do vestuário. A farda, completa, fica pendurada num cabide de parede. Agora em traje civil, mala de viagem na mão, saio e na rua apanho um táxi e determino ao motorista o caminho para a estação.
J. Pais Antunes, Independente do Gadamáel-Porto e Ex-Furriel Miliciano. Lema de vida: Só o impossível vale a pena. 11 de Abril de 2008.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Tempos de antanho...

Há anos que tenho em mente debruçar-me sobre esta faceta portuguesa diria "muito tuga" de deixar correr o tempo e esperar que as coisas se resolvam como por passe de mágica. Dos tempos de antigamnete já ficou bem esclarecido que não guardo muito boas recordaçoes...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Benfica - como se aprende a gostar!



Em Março de 1972 (eu ainda nao tinha 10 anos) o Benfica defrontou o Feyenoord para a Taça UEFA e ganhou 5-1!! Assistiram quase 70 mil almas num jogo espectacular em que tinhamos o Eusebio nacionalizado pelo regime. Na verdade, naquele tempo havia jogadores fabulosos e o Benfica era uma equipa temida e respeitada. É de lembrar que em Julho de 1972 Portugal defrontou o Brasil no grande Maracanã e jogaram 11 jogadores do "Glorioso"!!!


Bem...esta historieta serve para ilustrar como aprendi a ser benfiquista.
A minha mãe para além de salvadora de miúdos de poços, matadora de animais, trabalhadora agrícola incansável e grande defensora dos bons principios para familia, também servia de parteira às porcas e vacas da casa. Nesse dia de futebol em Março à medida que os porcos iam nascendo 1..2...3....4...etc. o Benfica ia marcando golos ao rival. Já não sei se ganhou a porca com os seus 6 ou 7 bácoros, mas ficou na memória que há muitas maneiras de aprendermos a ser quem somos e ser Benfiquista tem muitos estados de alma e diversos principios. Viva a porca da minha mãe(a porca dos bacorinhos)! Viva o Benfica!!








1971 - 1972: return thirth round EC I
Benfica - Feyenoord 5 - 1
Date
22/03/1972
Goalkeeper
Eddy Treytel
Ground
Estadio da Luz, Lissabon
Defenders
Dick SchneiderRinus IsraelTheo Laseroms (1)Theo van Duivenbode
Attendance
69.021
Midfielders
Franz Hassil Wim JansenWilem van HanegemJan Boskamp
Referee
Clive Thomas (Wales)
Forwards
Henk WeryMattie Maiwald
Cards
none
Substitutes:Schoenmaker (Hasil 58); Posthumus (Maiwald 58)
Trainer: Ernst Happel

domingo, 3 de fevereiro de 2008

O lobo cinzento na Quinta












Há longos anos a minha mãe teve um dia de sorte. Amanhando a terra para novas sementeiras, deparou-se-lhe um "cão" cinzento, de pelo luzidio e de olhos penetrantes, frios. Olhou-a nos olhos e desatou em círculos, pronto a desferir o ataque. Ela teve medo e ao ver-se encurralada desatou a gritar, com a enxada no ar afugentou o animal. Não lhe parecia verdadeiramente um cão, mas nunca tinha visto nada igual. Mais tarde veio a saber que o dito bicho tinha feito estragos nos quintais dos vizinhos e o alvoroço instalou-se. Tinha sido uma visita de uma loba, tal como todos referiram à época e ela tinha tido um encontro de grande aflição. Podia-lhe ter saído caro...
Lembra-se que Viseu, e as suas quintas ao redor da Cava do Viriato, mais parecia uma aldeia rural nos idos anos sessenta/setenta e a procura de comida custava a todos. Visitas de lobos não era muito usual, mas de raposas, texugos, furões, doninhas, etc. era muito comum naquele tempo.






Características
O lobo é um animal selvagem, mamífero, aparentado com o chacal e o cachorro doméstico. É carnívoro e pode medir até 1,60 m de comprimento, incluindo a cauda (de 45 cm), e geralmente tem 85 cm de altura. Pesa em média 50 ou 60 kg. Tem dentes muito poderosos e cauda peluda. Diferencia-se do cachorro doméstico por determinadas características dos ossos do crânio. O lobo tem os flancos finos, ossos e músculos salientes. Os olhos, brilhantes como brasas, não são dispostos horizontalmente, como os dos cães, mas em linha oblíqua. Vive em média de 16 a 20 anos, e pode correr a 45 km/h.http://www.webciencia.com/

Incendios em casa !!


Nunca percebi muito bem a razão da casa da Quinta do Figueiral não ter ardido por diversas vezes. Num qualquer dia dos anos 60 ou 70 a minha mãe andava a semear umas ervilhas no fundo da quinta e deixou uma panela ao lume, esquecida! Nós (os 4 mais novos) ficámos em casa e com enorme angústia resolvi dar o alarme à minha mãe.Corri pelo velho caminho da quinta e gritei: Mãe - a casa está a arder, mas não se preoucupe que eu já trouxe os meus irmãos para junto do poço! Ela correu como uma louca e acabou rapidamente por dominar o pequeno incendio que da panela já se tinha propagado às traves da cozinha. Consta que ela atirou com a panela onde cozia os tremoços num gesto de grande desespero, mas funcional. A minha mãe era assim, nada lhe metia medo. Se tinha que matar uma cabra, matava! Se tinha que abater um cão, um gato ou qualquer bicho que perturbasse o sossego e a modorra da quinta, ela encomendava-lhes a "alma ao Criador". Fazia-lhes o famoso "bolo" e "foi um toiro que os matou". Um simples incêndio não lhe metia, obviamente, qualquer medo.

Um miúdo no poço!


Há que fazer justiça à minha mãe e acrescentar aqui mais uma prova da grande força que a ela teve sempre. Quando um dia mudava fraldas à minha irmã, o meu irmão mais novo ( o tal que teria nascido à porta do Café Paris!!), resolveu ir apanhar moscas para junto do poço à beira da casa. Tradicionalmente aquele poço tinha uma nora ou como se chamava em casa o "estanca-rios"(Engenho composto de rodas dentadas que se engrenam e que serve para extrair água de poços, rios etc.através de baldes). Funcionou durante muitos anos ...e num célebre dia foi a ajuda preciosa. Enquanto apanhava moscas o puto acabou por cair ao poço para desespero da minha mãe. Com força indómita, ela desceu pela nora e com um ancinho agarrou o desgraçado que estava ainda submerso. Foi a sua salvação e a sorte foi-o protegendo durante a vida fora...Como diria o outro a sorte dá muito trabalho!


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O Homem na Lua e o Jogo do Prego


Na Escola Primária de Santiago, havia um recreio grande em terra batida que nos intervalos das aulas ficava pejado de miúdos sedentos de brincadeiras típicas daqueles tempos de finais de 60 do sec.XX. (Recorda-se desse tempo a ida do homem à Lua em 21/7/69...vimos na tv do café da Tia Deolinda o pretenso passeio de Neil Amstrong). Na Escola do prof Rocha e do prof Amancio (nao é o tipo da mota V5) eu e o meu irmão frequentávamos anos diferentes (eu andava na 2 ou 3ª e o Zé na 1ª) e quando se abria a porta ao intervalo, corríamos que nem loucos para jogar a bola ou o prego. Um dia a minha mãe comprou ao meu irmão uns botins pretos de borracha, típicos daqueles tempos e ele levou-os para a escola todo orgulhoso.Quando jogávamos espetando o prego no chão conquistando áreas definidas, o Campos enfiou-lhe com uma chave de fendas ( um dos instrumentos evoluidos do jogo do prego!) num dos botins e furou-o! O sangue brotava pelo buraco como se fosse um geiser e ele chorava de medo ...os botins eram novos e a minha mãe ia por a funcionar a habitual mangueira!Afinal o dinheiro custava a ganhar e aqueles "Nike" eram a fina flor das galochas!
Resolvemos inventar e, com fósforos, resolvemos queimar os botins e soldar o buraco...autenticos artistas.
Aquela obra ficou um verdadeiro desastre na arte do disfarce e a minha mãe não perdoou!A mangueira abateu-se pela enésima vez nos costelados do povo irrequieto, mas tudo passava depressa e isso fazia parte da educação e do rigor daquela época.
Ah! Normalmente antes das mangueiradas dávamos uma volta à quinta fugindo da minha mãe..como ela corria -uma autentica corredoura de fundo

Tempos ...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A história do Amancio


A minha mãe sempre foi um espectáculo!
Um dia saiu-se com uma boa num daqueles encontros típicos das famílias numerosas em que todos falam, opinam, contrariam e desatinam. Rezava assim: Sabem meninos que ali junto à Parreira na Avenida da Bélgica morreu um fulano de mota. O famoso Amâncio que desde logo baptizámos! Ia de motoreta V5 atrás duma Toyota Dyna de caixa aberta carregada de chapas de zinco onduladas.Então surpreendentemente levantou-se um vento dos demónios e uma placa soltou-se e cortou-lhe a cabeça... ela rolou dentro do capacete e foi quedar-se à beira do muro. A história era todos os anos acrescentada com novos pormenores aquando do "Dia Mundial das Carolas" - um domingo de Carnaval em que todos comiamos bons pratos de carolas e excelentes carnes de porco, enchidos, etc..
Assim, o azarado Amancio ultrapassou, sem cabeça, a carrinha em grande aparato e perante a incredulidade das testemunhas. Um verdadeiro desastre ou o começo do fim do mundo!
Ainda hoje se fala do dito e continuamos a acrescentar mais umas achas: ainda há-de haver um tempo em que os nossos netos falarão do Amancio que seguia numa nave unipessoal, assim não falte o milho face à evolução tecnológica e a vontade para as famosas "carolas". Não me venham com histórias que os biocombustiveis vão acabar com isto tudo...Não! A evolução não apaga as pequenas tradições e a recordação de bons momentos.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O toreiro e a comida dos porcos


No final dos anos 60 os meus irmãos mais velhos resolveram ir passar o fim de ano a duas festas diferentes. Era assim! Julgo que os meus irmãos nunca partilharam muitas cumplicidades e diria mesmo havia algum afastamento quer do ponto de vista fisico, mas também ideológico. Um era amante das tertúlias citadinas face a maior propensão para o engate e com a sua forma de vestir mais cuidada (desacreditava as origens humildes com seu ar de alã), o outro era mais virado para o desatino, acompanhava "artistas" tocadores de bombos e violas. Tocava muito bem gaita de beiços o que à época era sinal de farrista. Consta que pertenceu a um grupo de "barulhentos" de curta memória para gáudio dos pais. Nessa noite de frio de rachar eles combinaram chegar a casa à mesma hora. Foram direitos à velha cozinha onde a mãe tinha os habituais panelões de cozer a comida para os porcos - a famosa "Vianda", mas o lume estava apagado! Para rapidamente se aquecerem lançaram mão a um garrafão de petróleo com que atearam o fogareiro de serradura (uma verdadeira preciosidade) e ...quando deram conta até o telhado ardia. A preocupação era apagar o fogo e não dar o alarme para os pais não acordarem e não entrar em acção o "toreiro no lombo". Como não pretendiam fazer barulho atiraram com os paneloes da sopa dos porcos e apesar de tudo ter ficado sujo e impestado de um cheiro intenso a caldo entornado, o milagre aconteceu - extinguiram o incendio...
Apanharam novas couves e nabos na quinta e voltaram a repor o importante cozido, limparam tudo e foram dormir já o sol raiava os seus primeiros gracejos de um novo ano. Foram satisfeitos com o feito e já não tinham frio face à tarefa efectuada. O famoso "toreiro" não tinha entrado em acção... É de realçar que confrontados com a historia há quem não confirme nada do que está escrito e referem que teria sido mais uma invençao de um dos intervenientes - afinal adorava divagar! Eu acredito já que são muitas coincidências, mas...
Nota: Toreiro - caule de couves altas que dava um verdadeiro chicote grosso.
Vianda: iguaria, no caso para os bácoros

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Impressões dos anos 60/70


Nos anos 60 e 70 a vida de quinta não se podia dizer que era simples. Na verdade, trabalhava-se muito e as recompensas eram diminutas.Creio mesmo, que Viseu era uma cidade muito rural e subdesenvolvida que tinha as maiores carencias.Recuando 30/40 anos e apreciar a cidade nesse tempo, deparamo-nos com um peso enorme da agricultura e tudo o que gravitava em seu redor: as feiras, as tradições, a educaçao e cultura pouco evoluidas, etc. Tempos sem saudade...apesar dos velhos do restelo nos dizerem continuamente que "naqueles tempos é que se vivia bem"! Parece impossível, mas apetece-me gritar bem alto que naqueles tempos só viviam alguns, os outros limitavam-se a ver os outros viver! Viviamos de esmolas, de reverencias aos senhores da terra, reminiscencias do feudalismo...atrasos irreparáveis que ainda hoje pagamos. Isto para não falar que os filhos dos pobres em idade adulta eram atirados para a Guerra Colonial e os filhos dos ricos eram enviados para a Suiça, Holanda, etc..Hoje são muitos os patriotas a falarem de guerra do ultramar, mas será que falam das provações porque passaram os pais que viram partir os filhos nos seus saloios 20 anos?? Não...falam de exilios dourados, faustos que as boas linhagens sempre pagaram! Há tanta hipocrisia neste rectângulo murcho e triste...

Vejamos:

- A escola pimária era um perfeito absurdo.Os alunos eram convidados a dissertar sobre o HINO e Bandeira em longas redacções. Quem podia alinhava na Mocidade Portuguesa - estrutra fascizante que dizia muito a poucos - os do costume. Levávamos reguadas e bofetadas sempre que não cumpriamos com professores apegados a sistemas arcaicos. O frio e a fome eram tradições e Salazar era um verdadeiro Deus, omnipresente em todas as estruturas sociais.
A PIDE estava ao virar da esquina, o meu moleiro tinha uma fotografia do Salazar e do Tomás na parede da sua moagem. Na Igreja quem era rico (poucos, mas os mesmos de quase sempre) tinham sempre posição de destaque. Na visita Pascal o Padre ia almoçar sempre à casa da família mais abastada da freguesia em Santiago. Não deveria ser à cabana mais pobre? Não...a Igreja sempre levou a sério o velho ditado: "Muito bem prega S.Tomás ..."E que dizer que na 1ª comunhão o Padre da freguesia não queria consagrar o meu irmão só porque não tinha o laço aposto no braço como mandava a tradição? Mais tarde viria a ser confrontado com a mesma visão erronea da fé católica. Quando precisava da autorização do padre da freguesia de S.José para me casar em Sta Maria...olhou-me de desdém e disse que não era habitual estar na missa de domingo!! Roguei que estava a estudar em Coimbra e nunca mais esqueci a sua insensibilidade. Como se precisássemos de um padre para nos casarmos e praticarmos todo o bem do Mundo ...às vezes a nossa Igreja que deveria dar o exemplo comporta-se como uma exposiçao de vaidades, uma verdadeira agremiação de poderosos,pessoas com telhados de vidro. Nunca me cativaram e não pertenço a qq Maçonaria.
Já perceberam porque são estas situações que nos fazem descrer da Igreja instituição...É tão ridiculo:
- Sr Capitão venha falar ao altar, por favor! Agradeço que quem não seja atleta de Cristo se cale...Aconselho que a mães mandem calar os seus filhos pequenos. Neste lugar Cristo ouve-nos!
Na verdade, só tenho saudades de quando o vozeirão do meu pai cantava as Hossanas na missa domingueira. Fazia-o com alegria, diria mesmo que seria dos poucos bons momentos que o meu pai gostaria e ninguém o perturbava. Fazia-se notar na Igreja da N.Senhora da Conceição...às vezes lembro-me que herdei dele esses dotes no Canto Gregoriano...fascinam-me os acordes nos templos frios e com acústica.Noutra vida talvez tenha sido um Andrea Bocceli.

Diversões:


Tempos dos Beatles,Manfred Man, Led Zepelin, Procul Harum,1111, Jose Cid, Simone, Tonicha, Calvario, Amalia ...Dançava-se em bailes, matinés de arrastar os pés e "constituir familia".As festas das aldeias eram a grande esperança do engate dos moços da época. Começava em Gumirães em Maio e terminava em Ranhados pelo tempo da Feira de S.Mateus, em Setembro. Eram tempos delirantes para a minha irmã espanpanante loira numa época sorumbática e de conformidades. Corria por todas as festanças e bailes da cidade e arredores, eu acompanhava qual cão de fila pronto a guardar a dama dos incautos.Eu não gostava muito de rebuçados! A minha mãe, corria as festas de toreiro e mangueira debaixo do xaile.A sua filha não cumpria as regras e os horários de entradae a minha mãe precavendo-se dos "pinga-amores" distribuia a sua ira em gestos gastos de tanta protecção. Sei que eram os tempos de defesa da honra que ditavam aquelas condutas.


Será que distribuir mangueiradas a torto e a direito em Orgens, S.Salvador ou Abraveses não era uma forma de exorcizar fantasmas ou motivações de ciúmes? Afinal a mãe divertiu-se quando?Não era fácil a vida naqueles anos de pobreza...






sábado, 12 de janeiro de 2008

A historia do Mija Boi!


Na verdade, quando a minha mãe resolvia mandar lavrar a terra na Quinta do Figueiral, falava com o meu avô, marcava-se o dia e era uma festa! Dia de muito trabalho, de sol a sol, mas com uma carga emocional forte. Vinha o lavrador (o Ti Manel) com os seus bois e com a ajuda do avô a terra era virada e fresada convenientemente para as sementeiras de cada época. Comia-se muito ( o mata-bixo, as 10H, o almoço, a merenda e até a ceia/jantar). As mesas pobres à época, transfiguravam-se em lautas jornadas de bacalhau frito, coelho estufado, frangos de cabidela, etc.)Os vinhos da quinta eram omnipresentes e ajudavam a aclarar as vozes entorpecidas pelo pó da terra. Que tempos...
Só quando o Ti Manel não podia por já ter outros trabalhos ou eventualmente por doença, a minha mãe (sempre a força da minha mãe, já que o meu pai trabalhava no famoso Caga Milhões - armazém de ferragens)é que chamava outro lavrador, o substituto MijaBoi que era acompanhado sempre pela sua mulher num dueto que mais parecia uma verdadeira empresa agricola! Vinham e o pobre homem, cansado e muito tocado a copos (a sua mulher tb. aqui não se fazia rogada), quando os bois começavam a andar a ritmo demasiado elevado para si, fomentava a paragem dos ditos, sempre com a mensagem: DEIXEM MIJAR O BOI! Era como que a sua costela alentejana a falar mais alto em terras da Beira Alta...obviamente parecia que tinha três velocidades:Devagar e devagarinho/parado. Eram tempos de combóios de via estreita.Ninguém sabia o que era o stress.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

As pipas correm ao sabor da maré


Lá está o barco rabelo pertença das Caves Ramos Pinto e o Ti Manel de Bigas corre a tocar as pipas vazias de Porto. Cheiram a whisky já que vieram das highlands da Escócia...a azáfama é grande. O vinho do Porto aguarda nos toneis enormes, quantos homens se metem dentro deles. Que cheiro a néctar dos Deuses...Para que conste o meu avô iniciou nesta grande casa nos principios do sec XX a sua vida de trabalho árduo, fugindo dos rigores da Beira Alta para trabalhar nas Caves de Gaia.Aqui conheceu a minha avó que era natural de Canelas-Gaia, descendente de Nórdicos - os seus olhos de sereno azul não mentiam!

sábado, 5 de janeiro de 2008

"Deixa o boi mijar e farta-o de arar"-Provérbio português

Retiro sensaçoes estranhas desta correria que me arrasta mais uma vez rumo à feira semanal. O meu avô corre sereno à frente dos animais. Vai alegre e os anos não fazem mossa na sua dura carapaça de homem do campo, habituado à rudeza dos tempos e aos homens agrestes. No recinto da feira é venerado como se fosse o mais abastado proprietário e ele só tinha as artes da sua experiencia para mostrar. Intermediava negócios. Quanto custa a vaca? 50 notas...dou 40! Vamos lá amigos, dividimos isto a meio. São 45...e estava o negócio fechado. A face nunca estava comprometida onde estivesse o Ti Manelzinho da Aguieira. Dizia umas chalaças,bebia uns copos bem bebidos e comia algumas iguarias que à época não estavam ao alcance de qualquer um. Adorava acompanhá-lo na partilha de um frango assado na brasa e colocado em mesas besuntadas, comido em pé acompanhado de vinho tinto feito de castas tradicionais da região. As bananas e laranjas tinhamm lugar cativo na sua dieta de feirante e isso ao tempo era um privilégio.

Vidas de quinta no século XX


Estranhamente sopra uma brisa anormal neste tórrido Agosto.
Os pássaros sentem-se perturbados com a evoluçao do tempo. Batem as asas com tal veemência que até parece terem um motor acoplado. As andorinhas voam alto e pressentem chegada de trovoada.
Ao longe mais um incêndio arrasa um dos montes que circundam a cidade que, e atiçado pelo vento, cavalga alheio a todas as preces dos velhos na Igreja da Nossa Senhora da Conceiçao. É o fim do mundo, divaga com ar carrancudo uma septuagenaria. À medida que nos aproximamos do final do século, não tenham dúvidas que Deus vem castigar-nos! Bem, premonições que seguramente ninguém leva muito a sério ou não fora este país de católicos não praticantes.
Lá bem no fundo da quinta, dois jovens procuram acudir às pragas das videiras despejando sulfato de cobre com uma máquina tradicional de cobre, uma relíquia que se mostra eficaz. Estavam longe de perceber o perigo que os faria mudar de rumo. A chuva começou a cair, violenta. Um cheiro a terra molhada tomou conta do ambiente. E, como diria a minha mãe, o "astro" estava de má feição. Os rapazes entenderam que o castanheiro centenário seria o seu abrigo e ainda bem que mudaram de ideias e desataram a correr com a máquina às costas...Um raio rasgou os céus e com enorme estrondo rachou uma boa parte da árvore! Nunca mais seria o castanheiro marcante daquela quinta e anos mais tarde depois de espremidas as últimas castanhas num outono cinzento, o dono resolveu cortá-lo e vendê-lo para pranchas de madeira. Um fim triste de uma árvore pomposa e que a todos cativava. As rolas não tinham mais o seu ramo predilecto para colocar os seus miseráveis ninhos de simples paus laboriosamente acamados.

Deixem mijar o boi

É minha humilde intençao contar-vos algumas histórias interessantes e que são sempre de relevar num tempo que é de alguma tristeza e descrença face ao que apelidam de provincianismo português.